Um dos grandes temas do estudo de arte no século XXI se dá em torno dos diálogos entre diferentes meios e das releituras de diferentes obras. O que o blog da Cores propõe neste post é uma rápida visualização e reflexão sobre os diálogos que as artes visuais acabam por realizar com a fotografia e o cinema.
Vamos começar com um clássico? Observem A Última Ceia, o afresco de Leonardo da Vinci para a igreja de seu protetor, o Duque Lodovico Sforza. Ela representa a cena da última ceia de Jesus com os apóstolos, antes de ser preso e crucificado como descreve a Bíblia. O centro do universo cristão, condenado por ser considerado diferente e marginal em seu tempo.
Agora observem essa fotografia (acredite, é uma fotografia!) de David LaChapelle. A mesma cena é reconstruída em um universo moderno, representada por personagens dos subúrbios americanos, em sua maioria de descendência Latina.
Por estar fazendo referência a uma imagem icônica, porém de uma outra maneira, o fotógrafo não precisou de muito para fazer sua crítica: o ódio ao diferente continua, apenas mudou de alvo. Essa leitura tão simples se dá pelo fato de que nós conhecemos a imagem inicial, e logo todo esse contexto político nos vem à cabeça.
Saindo um pouco das possibilidades políticas e artísticas, vamos à técnica. Observe essas fotos produzidas em reconstituição de quadros renascentistas.
Observe como o estudo de luz, cores, formatos e modelos que construíram os quadros, funcionaram muito bem quando aplicados à fotografia. Se você não gosta tanto de obras renascentistas, olha o que já foi feito com quadros cubistas de Picasso.
O que funciona na arte visual, funciona na fotografia. Mas e o cinema? Será que composições feitas por pigmento vão funcionar projetadas com movimento? Vamos ver alguns casos legais a seguir!
De Benjamin Robert Haydon, o quadro Napoleon at St. Helena
De Ridley Scott, o filme Duelistas (1977)
De Botticelli, o Nascimento de Vênus
De Terry Gilliam, As Aventuras do Barão de Munchausen ( 1989)
As composições em Labirintos de Maurits Cornelis Escher inspiraram os cenários da ficção científica de Christopher Nolan, A Origem (2010).
Mas de todos os diretores, o que mais buscou dialogar com as artes visuais foi sem dúvidas Stanley Kubrick.
Kubrick era tão obcecado por fazer filmes que pareciam quadros, que certa vez, para o filme Bary Lindon, resolveu iluminá-lo apenas com velas, para conseguir o tipo de luz dos quadros Impressionistas. Nenhuma lente convencional de cinema era capaz de produzir imagens com tão pouca luz.
Então Kubrick encomendou da Nasa lentes capazes de “enxergar” luzes que nem os olhos humanos eram capazes de ver. E desta forma ele conseguiu a seguinte sensação fotográfica em seu filme:
Além disso, Kubrick buscava em seus enquadramentos fazer pontos de perspectiva, técnica comum do renascimento. Por isso, vários de suas mais famosas cenas tinham a seguinte escala visual.
Sem contar as várias vezes em que ele fez releituras de quadros, como no exemplo abaixo, com o quadro de Van Gogh “Prisioneiros se Exercitando”.
E a seguinte cena do filme A Laranja Mecânica (1971)
Stanley Kubrick não foi o único cineasta a usar Van Gogh. Aliás, por várias vezes Van Gogh foi inclusive personagens de filmes e séries de TV. Como é o caso do filme Sonhos (1991) de Akira Kurosawa. Ou até mesmo na série britânica Doctor Who, quando o protagonista da série tirou o pintor de seu tempo, onde ele se encontrava em profunda depressão causada pelo ostracismo que teve em sua vida, e o levava para o futuro, para ver o prestígio que suas obras iriam ter no futuro.
Bom, nesse ponto você deve estar se perguntando: do quê adiantar uma pessoa que faz design gráfico ou arte visual saber que sua arte pode inspirar fotografias ou filmes?
Por um motivo único: se um meio X pode citar outro Y, o Y também pode citar X. Ou seja, se o cinema e a fotografia podem se inspirar em seu trabalho, seu trabalho pode se inspirar na fotografia e no cinema. Se não acredita, da uma olhada nessa série de pinturas feitas com cenas de filmes.
O Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) de Michel Gondry
Pulp Fiction (1994) de Quentin Tarantino
Encontros e Desencontros (2003) de Sofia Coppola
E aí, será que algum desses materiais e obras pode te inspirar a produzir algo diferente? Pegue referencias de seus filmes e artistas preferidos e inspire-se! 😀